Vamos falar a verdade: poucas coisas são tão divertidas como uma sessão de cinema em casa com a família, não é mesmo? Todo mundo se reúne, se esparrama pelo sofá e ainda rola aquela pipoca de panela que deixa tudo mais gostoso! O difícil é só escolher o que assistir em um mar de opções disponíveis nas plataformas de streaming e na internet.
Que tal começar por filmes que divertem e, ao mesmo tempo, provam reflexões? Ou que se conectam com as nossas emoções de uma forma tão profunda que marcam as nossas vidas? Com o poder de nos transportar para outras realidades, o cinema é parte da nossa formação cultural e uma ferramenta pedagógica das mais valiosas.
“As lembranças dos filmes conectam-se a outras experiências culturais da nossa vida, como as brincadeiras de infância, o círculo de amigos, as boas experiências escolares, a cultura familiar, a cultura musical, entre outros fatores que compõem a formação de um indivíduo”, descreve Claudia Mogadouro, pesquisadora do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (NCE-USP).
Negociação de sentidos
Claudia é também fundadora do coletivo de cinema e educação Janela Aberta e formadora audiovisual de professores da rede municipal de São Paulo. Uma dica importante que ela dá para escolas e famílias que desejam trabalhar com cinema e linguagem audiovisual é partir do entendimento de que as crianças não só espectadoras, absorvendo tudo o que vêem na tela.
“A criança é um ser capaz de negociar sentidos com o produto cultural, dependendo de outras experiências que ela teve com outros filmes ou de outras instâncias formativas”
“A criança é um ser capaz de negociar sentidos com o produto cultural, dependendo de outras experiências que ela teve com outros filmes ou de outras instâncias formativas. Entre a criança e a tela do cinema, da TV ou do computador, existe um espaço de mediação, com interferências culturais que tornam a experiência única para cada criança.”
Com seus elementos artísticos e simbólicos, os filmes oferecem uma amplitude de significado para quem está assistindo. É como uma viagem que nos desperta para reflexões a partir de nossas vivências. “Não é interessante que os adultos direcionem a compreensão das crianças. Se elas estiverem livres para interpretar e dizer o que sentiram, quase sempre os adultos se surpreenderão com as muitas viagens que elas fazem”, explica Claudia. Da mesma forma, a especialista indica que a escola também deve evitar controlar resultados ou avaliar com notas as atividades relacionadas ao cinema.
A seguir, separamos 5 filmes que vão despertar reflexões em toda a família. Prepare a pipoca e boa jornada!
Soul (2020, Disney/Pixar)
Disponível na plataforma Disney+
Classificação indicativa: livre
Será que já nascemos com um propósito? Para onde a gente vai depois da morte? O que nos torna únicos? A animação Soul coloca a gente para pensar em tudo isso, e no ritmo do Jazz. A história acompanha a trajetória do músico Joe Gardner, que sofre um acidente e morre antes de realizar o sonho de ser um músico renomado.
No céu, ele conhece a “Escola da Vida”, um lugar onde as almas adquirem suas personalidades e encontram suas missões antes de voltar para a Terra como bebês. Enquanto Joe tenta desesperadamente achar o caminho de volta para a vida que tinha, ele faz amizade com a Alma 22, que faz de tudo para não deixar o conforto do céu. Com essa trama inusitada, o filme da Pixar é uma oportunidade para discutir sobre medos, paixões e sobre o que há além do que podemos compreender.
Extraordinário (2017, Stephen Chbosky)
Disponível na plataforma Netflix
Classificação indicativa: 10+
O bullying é parte do universo escolar e ter uma oportunidade para falar sobre o assunto com as crianças é sempre bem-vinda. Mas o filme vai além das abordagens comuns sobre o assunto ao colocar como protagonista da história Auggie Pullman, um menino de 10 anos que nasceu com uma deformação facial que o obrigou a passar por 27 cirurgias plásticas.
O enredo acompanha os desafios de Auggie quando ele começa a frequentar uma escola regular pela primeira vez na vida e foca na força que ele encontra em sua família, sempre disposta a apoiá-lo nessa jornada. É de escorrer lágrimas dos olhos, mas não faz o tipo dramalhão. Pelo contrário, aborda temas complexos como inclusão, respeito às diferenças, solidariedade e amizade. Tudo isso com leveza e humor.
Uma história de amor e fúria (2013, Luiz Bolognesi)
Disponível na plataforma Netflix
Classificação indicativa: 12+
A animação brasileira aposta na ficção científica para trazer uma abordagem crítica sobre alguns fatos marcantes da nossa história. O fio condutor é um homem de quase 600 anos de idade à procura de sua amada Janaína. Nessa jornada, ele enfrenta a batalha entre indígenas e colonizadores no século 16, passa pelo levante social da Balaiada, ocorrida entre 1838 e 1841, atravessa o período da Ditadura Militar dos anos 70. O filme também nos transporta para um futuro de crise hídrica, no qual a água se tornou um dos recursos mais cobiçados do mundo e restrita à população mais endinheirada.
Além de recuperar fatos históricos pouco conhecidos, o que pode derivar para uma boa pesquisa em família, a animação oferece uma perspectiva crítica sobre as nossas formas de ser e estar no mundo. Também promove uma reflexão sobre o nosso relacionamento com os outros e com a natureza.
Meu Pé de Laranja Lima (2012, Marcos Bernstein)
Disponível na plataforma Netflix
Classificação indicativa: 10+
O filme traz Zezé (vivido pelo ator João Guilherme de Ávila), um garoto de seis anos que usa sua imaginação fértil para lidar com as adversidades de uma vida rural de pobreza extrema. Enquanto mostra um cenário de desigualdade social, a trama aborda a relação da criança com o Pé de Laranja Lima do seu quintal e com Portuga, um homem rabugento (José de Abreu) que desenvolve um amor de pai pela criança.
O filme leva para as telas um dos romances brasileiros de maior sucesso no mundo: o livro Meu Pé de Laranja Lima, publicado em 1968 pelo autor José Mauro de Vasconcelos. E faz sucesso por abordar questões como desigualdade social, desemprego, insegurança alimentar e trabalho infantil a partir do ponto de vista de uma criança de 6 anos, que vive outros dilemas típicos da infância. O livro é um tapa na cara no nosso acomodado jeito de enxergar o mundo e apresenta outras realidades às crianças, ao passo que exalta aquilo que une todas elas: a imaginação.
Dica da especialista
O menino e o mundo (2013, Alê Abreu)
Disponível gratuitamente até janeiro na plataforma Sesc Digital
Classificação indicativa: livre
A animação brasileira ganhou mais de 40 prêmios internacionais e é considerada como uma das mais importantes já feitas na história da animação. O enredo acompanha a vida de um garoto que mora com os pais em uma pequena casa de campo. Um dia, o pai abandona o lar em busca de oportunidades melhores na cidade grande. Triste e desnorteado, o menino faz as malas, pega o trem e vai desbravar o mundo atrás do pai. Não imaginaria que, muito além da zona rural em que vivia, há uma sociedade marcada pela pobreza e pela exploração de trabalhadores.
A especialista Claudia Mogadouro classifica a animação como obra-prima do cinema nacional e internacional. No artigo que escreveu sobre o filme, ela destaca que o cineasta Alê Abreu, que é também artista plástico, concebeu o projeto enquanto viajava para estudar a história e a cultura de vários países da América Latina.
“O Menino e o Mundo” é uma obra humanista e densa, que mostra a complexidade do mundo por meio de um desenho simples de menino. Pensando na potencialidade do cinema como instrumento de formação cultural, este é um filme fundamental para ser visto por crianças e adultos, educadores e educandos, pois permite que aflore nosso sentimento de sujeito, como parte de uma sociedade e como parte da espécie humana”, destaca Claudia.
Fonte: Faber Castell